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Presunção de Inocência: uma análise sobre um princípio tão importante do direito penal.

A presunção da inocência, ou não culpabilidade, é um princípio penal, que nos revela que ninguém poderá ser considerado como culpado por ter praticado algum ilícito antes de ter sido considerado como tal pelo juiz natural e com direito a ampla oportunidade de defesa, até que se esgotem todas as suas possibilidades expressas no ordenamento jurídico.

Tal princípio esta materialmente positivado, de forma explícita, na CRFB/88 através do artigo 5º, LVII, que diz:

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”

Em tese tal princípio impede a imposição de consequências jurídicas sobre o investigado antes do trânsito em julgado da sentença criminal, onde desde o início pacificou o STF com o entendimento de que tal dispositivo impede que se lance o nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão que o condene.

É um vetor importante no processo penal e não precisaria estar positivado em nenhuma norma, pois possui fundamental relevância, como diz Amilton B. de Carvalho1: “o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum: é um ‘pressuposto’ – para seguir Eros –, neste momento histórico, da condição humana”, podendo ser inclusive considerado como um princípio fundamental de civilidade, tutelando a imunidade de inocentes.

Para se obter provas sobre a culpabilidade do réu é necessário o trabalho jurisdicional, onde o Estado deverá proceder, em relação aos suspeitos da prática de crimes ou contravenções, a sua acusação formal e durante o curso do processo provar a autoria do crime imputado ao agente. Até que essa prova se consolide o delito não pode ser considerado cometido e ninguém pode ser considerado culpado e submetido a uma pena. Mesmo que se tenha que pagar o preço para demora ou impunidade de algum culpável, não se deve antecipar a condenação e o cumprimento da pena de alguém, para que dessa forma não se impute uma punição a alguém que venha a ser considerado inocente após a finalização do processo, garantindo o maior interesse que é o de que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos, não os ameaçando com o cumprimento de penas arbitrárias, fazendo com que a presunção de inocência, venha a se tornar uma garantia de liberdade, verdade e segurança social.

Após o segundo grau de jurisdição, extingue-se a discussão sobre a culpabilidade do agente, porém o indivíduo não pode ser tratado como criminoso enquanto perdurar a ação penal e não houver o trânsito em julgado de seu processo, exaurindo assim todas as possibilidades de defesa do réu, pois pode-se conseguir provar fraude processual ou outras fontes de provas em novas instâncias de tramitação do processo que venham a anular tais sentenças, anulando assim a culpabilidade do agente. Celso Ribeiro Bastos2 observa o seguinte a respeito da culpabilidade:

De fato, embora alguém só possa ser tido por culpado ao cabo de um processo com esse propósito, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, é necessário que recaia mais acentuadamente sobre certas pessoas, vale dizer: sobre aquelas pessoas que vão mostrando seu envolvimento com o fato apurado. Daí surge uma suspeição que obviamente não pode ser ilidida por medida judicial requerida pelo suspeito, com fundamento na sua presunção de inocência. Esta não pode, portanto, impedir que o Poder Público cumpra a sua tarefa, qual seja: a de investigar, desvendar o ocorrido, identificar o culpado e formalizar essa acusação.

Portanto, o acusado não pode ter seu nome adicionado ao “rol dos culpados” antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, pois tal fato iria em desacordo com o princípio da presunção de inocência, embora possa o Estado perseguir através de investigações e processos o suposto criminoso.

O artigo 594 do Código de Processo Penal, atualmente revogado pela lei nº 11.719/2008, exigia a prisão provisória do acusado antes de sentença penal condenatória transitado em julgado para poder apelar da sentença e, era entendido pelo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 9, como uma exigência que não ofendia a garantia constitucional da presunção da inocência.

O que se coloca em discussão é o alcance do sentido de seu texto, visto que, no Código de Processo Penal não se tem especificado quais seriam as penalidades impostas a quem seja considerado culpado, além, é claro, daquela prevista no delito cometido, além de que, tal dispositivo encontra-se em choque com outros princípios e dispositivos constitucionais em determinados casos – dependendo do caso concreto.

A interpretação constitucional se dá de várias maneiras, através dos métodos e princípios que norteiam como o juízo pode – e deve – realizar tal interpretação, porém, apesar de serem consagrados e importantes, são “apenas” doutrina, onde cabe ao juízo utilizar ou não de acordo com seu entendimento, não existindo nenhuma regra sobre a aplicação desses elementos de apoio.

Um dos princípios de interpretação constitucional que tem merecido bastante destaque em nosso ordenamento é o da força normativa da Constituição, pois tem sido bastante utilizado por alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, para proferirem decisões importantes. Tal princípio propõe que os aplicadores do direito, intérpretes da Constituição, devem dar preferência para critérios que ajustem o sentido da norma e proporcionem maior eficácia no contexto histórico posto.

Diante dessa situação, o Supremo Tribunal Federal, ora “guardião da constituição”, tem debatido este tema há mais de 20 anos, onde através de pedidos de Habeas Corpus, que invocaram em seu objeto o princípio da não culpabilidade, foi discutido no plenário da casa qual o seu alcance e qual seria a sua correta interpretação, gerando jurisdição sobre o tema, sem força vinculante.

Em seu primeiro entendimento, a Suprema Corte, por maioria dos votos, entendeu que o princípio da não culpabilidade não afastaria a possibilidade de prisões que estivessem previstas em lei durante o decurso do processo, onde foi discutido o artigo 594 do Código de Processo Penal, atualmente revogado, que exigia do acusado, o recolhimento ao cárcere para que pudesse apelar da decisão que o condenou, e, através desse entendimento, os tribunais estaduais, se valeram da jurisprudência para aplicar a execução antecipada da pena.

Em 2009, após o artigo 594 do CPP ter sido revogado, e diante de um novo pedido de Habeas Corpus, a maioria dos Ministros da Suprema Corte, decidiu que a execução antecipada da pena atacava diretamente o princípio de não culpabilidade, previsto na Constituição, onde para os Ministros não havia outra interpretação a se dar a tal artigo, senão aquela, que fosse fiel ao texto constitucional, de forma literal, pois a ampla defesa não pode ser visualizada de modo restrito, onde a prisão nesses moldes poderia subverter-se o sentido da prisão cautelar. Muito se discutiu sobre o fato de que os recursos pendentes ao acusado não possuírem efeito suspensivo, e por isso, o princípio de não culpabilidade não atingiria essa fase do processo, porém, essa tese foi refutada pela maioria do plenário.

Já em 2016, o Ministro Teori Zavascki, decidiu levar ao plenário da Suprema Corte, um pedido de Habeas Corpus que tratava do mesmo assunto, onde segundo seu entendimento, tal jurisprudência deveria ser revista para aumentar a confiabilidade no Poder Judiciário, tentando buscar um equilibro entre o princípio de não culpabilidade e a efetividade da função jurisdicional penal, pois o Estado deve buscar atender também a sociedade e não somente ao acusado. Nesse julgamento foi novamente alterado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, onde, a partir de então fez-se permitido a execução provisória da pena.

O Ministro Roberto Barroso, proferiu um voto bastante extenso, porém muito coerente, onde ele busca mostrar que o princípio de não culpabilidade vai se exaurindo com o decorrer do processo, pois ao ser julgada a apelação do acusado, acabam-se as discussões sobre as provas e fatos do processo, tendo-se a certeza jurídica sobre a culpabilidade do acusado. Relata, também a necessidade do fenômeno da mutação constitucional perante tal princípio, para que ele seja interpretado de forma mais coerente com a realidade social vivida, de modo a preservar a ordem pública. A surpresa neste julgamento foi o voto do Ministro Gilmar Mendes, que em oportunidade anterior, se mostrou contrário a execução antecipada da pena, nesta oportunidade se mostrou favorável.

Podemos notar que, essas decisões do colegiado da Suprema Corte, acabam por gerar uma certa insegurança jurídica, pois não temos a certeza nem da prisão, nem da liberdade, após o julgamento do recurso de apelação pelo órgão colegiado, pois além de não possuir efeito vinculante, tais entendimentos podem ser, a qualquer momento, alterados pela Suprema Corte, a depender do caso concreto, além de que, apesar da jurisprudência, o próprio Ministro não possui obrigação em proferir uma decisão se baseando nela.

Portanto, realmente se faz necessário, firmar um entendimento vinculante sobre o tema, o que será realizado a partir do julgamento do mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, propostas pelo Partido Ecológico Nacional e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB.

1 CARVALHO, Amilton Bueno de. “Lei, para que(m)?”, In: Escritos de Direito e Processo Penal, p. 51 apud LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009, p. 191.

2 Comentários à Constituição do Brasil, v. 2, p. 297-8 apud TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 631.

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